Ricardo Afonso Teixeira*

Pesquisas têm demonstrado nos últimos anos que, mesmo dentro da cidade, o contato com o verde pode trazer benefícios ao cérebro. Voluntários ao caminharem pela cidade com um aparelho de eletrencefalograma portátil, e passarem por ruas comerciais agitadas, apresenta o cérebro excitado. O contrário acontece em um parque da cidade, quando as ondas cerebrais ficam mais “meditativas”. Sabemos também que pessoas que moram próximas a árvores e parques têm níveis menores do hormônio do estresse cortisol quando comparadas às que vivem cercadas de concreto.

Já é bem reconhecido que as pessoas que vivem nas grandes cidades têm maior risco de apresentar transtornos mentais. Através de ressonância magnética funcional, foi demonstrado que o cérebro de quem mora no campo reage de forma diferente a estímulos de estresse quando comparados aos moradores da cidade. Isso rendeu até a capa da prestigiada revista Nature. Os pesquisadores mostraram uma maior ativação das amígdalas entre os moradores de grandes cidades e foi curioso o fato de que isso estava presente mesmo nos adultos que viveram nas “selvas de concreto” somente na infância.

Outro estudo, conduzido pelo Instituto Max Planck na Alemanha, apoiou esses achados ao demonstrar que as pessoas que moram ao redor de muita natureza têm maior integridade de uma das regiões do cérebro mais associadas ao processamento do estresse e reações frente ao perigo. E essas estruturas são as amígdalas. Mas para desvendar a velha pergunta, o que vem primeiro, o ovo ou a galinha, o Instituto Max Planck também demonstrou que o contato com a natureza é que é responsável por essa maior integridade, e não o contrário. Digamos que pessoas com essa anatomia avantajada das amígdalas tivessem a tendência em morar mais próximos à natureza. Provavelmente não é isso o que acontece. Os pesquisadores compararam a ativação das amídalas, por ressonância magnética funcional, após uma hora de caminhada na floresta ou numa rua movimentada. Após a caminhada na floresta, as amígdalas ficaram menos ativadas, o que não aconteceu com os voluntários que circularam nas ruas da cidade.

O local onde moramos pode também influenciar a saúde do corpo. Esta é conclusão de um artigo de revisão das evidências sobre o tema publicado em novembro deste ano pelo periódico Biological Reviews. A biologia humana evoluiu para o movimento, a natureza e curtos períodos de estresse, como lutar ou fugir de um predador. O estresse crônico das grandes cidades faz com que vivêssemos sempre na mira de um predador, levando à redução da fertilidade e eficiência do sistema imunológico, além de um aumento das doenças inflamatórias crônicas. E quando se fala em doenças inflamatórias, devemos incluir a aterosclerose, principal causa das doenças que mais matam no mundo: o infarto do miocárdio e o derrame cerebral. Sabemos que morar à beira de rodovias e ruas com muito tráfico de veículos aumenta o risco de doenças cardiovasculares também devido à poluição do ar. Por outro lado, morar próximo a parques estimula a prática de atividades físicas.

* Extraído da coluna semanal Neurônios em Dia, parceria entre o Instituto do Cérebro de Brasília e o Correio Braziliense. Confira mais sobre esse assunto e outros conteúdos acessando nosso site (link na bio): http://www.icbneuro.com.br

Ricardo Afonso Teixeira*

Reconhece-se que a principal razão que faz uma pessoa buscar acompanhamento psicoterápico são suas dificuldades no relacionamento amoroso, e não é de se espantar.  O psiquiatra Robert Waldinger da escola de medicina da Harvard define a relação amorosa como a melhor receita para uma vida satisfatória, prazerosa e com saúde.

Há algumas décadas a ciência da conexão entre as pessoas, que no seu início analisou a ligação entre mãe e filho, hoje traz um conjunto de conhecimento sobre a relação amorosa e o quanto os padrões de conexão vivenciados na infância repercutem nas nossas relações como adultos. Hoje já se fala em uma estratégia padrão ouro para aprimorar uma relação romântica, um programa “fitness” para a relação a partir desse princípio..

A psicóloga Mary Ainsworth, pioneira no estudo da conexão entre mãe e filho, descreve três tipos de ligação. A primeira é o bebê que não sente ansiedade exagerada com a ausência da mãe por um curto período, numa relação mãe-filho forte e de confiança. A criança explora sozinha o ambiente sem medo. Outras crianças sofrem com a insegurança da separação, com manifestações de raiva e pânico e, ao entrarem novamente em contato com a mãe, têm menor receptividade por parte delas. E há um terceiro grupo que demonstra indiferença frente à separação ou reencontro com a mãe. Estas não têm expectativa de uma conexão segura.

A partir da década de 1980 foi sendo descrito que esses padrões na relação mãe-filho têm influência nas relações do indivíduo adulto, incluindo as amorosas. Por exemplo, a falta de atenção pela mãe quando ainda bebê pode gerar um comportamento adulto inseguro, na dúvida se têm direito aos cuidados de outra pessoa. Há os que têm um comportamento de evitação, ignoram o parceiro ou parceira, especialmente em situações de vulnerabilidade. Já parceiros seguros têm a expectativa de serem correspondidos e serem amados. Estudos longitudinais mostram que o perfil de conexão com as mães quando bebês vai se refletir no sucesso de relações sociais e amorosas na adolescência e idade adulta.

Um experimento feito com mulheres casadas apontou que, após pequenos choques, elas tinham menor ativação de áreas do cérebro associadas a respostas emocionais e comportamentais a ameaças e também menor sensação dolorosa quando seguravam a mão do marido. Essa mitigação da dor era mais significativa entre casais que mantinham uma relação de apoio mútuo. O efeito era bem menor quando seguravam a mão de um estranho ou mão alguma. Resultados semelhantes já foram demonstrados ao apenas imaginar a pessoa amada, com efeitos positivos também sobre a frequência cardíaca e níveis do hormônio do estresse.

Nossas relações fazem parte do nosso código de sobrevivência. e relações seguras nos fazem sentir protegidos de perigos e ameaças. Elas nos permitem conviver melhor com as fragilidades humanas e isso traz equilíbrio mental que se estende ao corpo.   

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

A decisão de se tornar pai é uma das mais críticas que um homem pode tomar na vida. Há de se colocar na balança as repercussões na carreira profissional, finanças e, para muitos, até a relação conjugal. Quando se investiga o estado de bem-estar psíquico de um homem ao assumir o estado de pai, há um fenômeno chamado de paradoxo da paternidade. Alguns reportam uma influência negativa no humor, mais sintomas depressivos e mais estresse enquanto outros manifestam uma maior satisfação com a vida de forma geral. Anthony Vaccaro, uma liderança nessa linha de pesquisa, nos trouxe este mês na revista Scientific American preciosos resultados de pesquisas do seu grupo sobre o assunto.

Esses pesquisadores foram além das métricas que avaliam o nível de estresse associado às novas rotinas na paternidade, mas expandiram a análise para a abstração de que a vida pode fazer mais sentido, ser mais coerente, ou não. Já se conhecia que uma experiência de maior sentido na vida está associado a uma maior resiliência contra doenças da mente e do corpo, eventos traumáticos, como pandemias e guerras.

Os resultados apresentados por Vaccary mostram que a maioria dos pais apresentam um aumento do sentido na vida após seis meses do nascimento do filho, quando comparado à época da gestação. Pais de primeiros filhos foram submetidos a ressonância magnética funcional que mediu a sincronização entre diversas áreas cerebrais. Outros grupos de neurocientistas já haviam apontado que uma maior sincronização de áreas relacionadas às emoções e pensamento abstrato está associada à experiência de experienciar maior propósito na vida. E Vaccary demonstra que pais que tiveram essa experiência de maior sentido tinham também maior sincronização cerebral, uma maior integração entre áreas cerebrais ligadas às emoções e estímulos sensoriais. Aqueles que tinham uma experiência mais negativa com a paternidade apresentavam respostas no córtex sensorial e cerebelo que podem estar associadas a uma hipersensibilidade emocional a informações sensoriais como, por exemplo, ao choro do seu bebê.

Considerando as novas rotinas do dia a dia que podem desafiar emocionalmente os pais, noites acordadas, por exemplo, o efeito negativo desses novos hábitos pode ser mitigado pela maior experiência de sentido no longo prazo também conhecida pelos cientistas como narrativa própria coerente. Pesquisas têm nos apontado que adultos jovens sem filhos que julgam a paternidade algo grande para sua autorrealização têm menor satisfação com a vida à medida que atravessam os anos, mas esses são a minoria. Na maioria das vezes o cérebro se adapta.      

Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Pesquisa publicada esta semana pelo Proceedings of the National Academy of Sciences aponta que, entre idosos saudáveis, os homens têm a redução do volume cerebral mais rápida que as mulheres. Entretanto, isso não significa que eles são mais propensos a desenvolver a Doença de Alzheimer. Tamanho nem sempre é documento. Estima-se que 2/3 dos casos da Doença de Alzheimer ocorram entre as mulheres.

As mulheres vivem mais, mas parece que existem outros fatores biológicos que ajudam a explicar essa diferença. Muitos candidatos estão na fila, mas sem resultados conclusivos até o momento. Um deles é a redução dos níveis de estrogênio com a menopausa. Isso pode potencializar o risco de uma mulher que já é geneticamente predisposta a apresentar a doença.

Outra possível explicação é o efeito protetor da educação formal. Apesar das diferenças educacionais entre os gêneros terem diminuído fortemente nos últimos anos, elas ainda existem em muitas regiões do mundo, especialmente em populações mais idosas.

Uma diferente resposta ao estresse e a maior prevalência de ansiedade e depressão entre as mulheres podem fazer a diferença. Eventos desgastantes como doenças, divórcios e problemas no trabalho parecem aumentar o risco de demência entre as mulheres, mas o mesmo não acontece com os homens. O estado de ansiedade de uma mulher aumenta as chances de desenvolver a doença e essa associação não foi demonstrada entre os homens.

Além disso, a doença é mais agressiva no caso delas. As pesquisas mostram que, após o diagnóstico de Alzheimer, os homens têm um melhor desempenho em diferentes domínios cognitivos como memória, habilidades visuoespaciais e até mesmo linguagem, função esta que as mulheres levam vantagem sobre os homens quando se pensa em indivíduos saudáveis.

A chance de apresentarmos um quadro de demência chega a 25% após os 80 anos, 50% após os 90, sendo que a causa mais comum é a Doença de Alzheimer. Ela é mais frequente entre as mulheres e as evidências apontam que as lesões cerebrais associadas à doença têm maior repercussão clínica entre elas. Essas pesquisas solidificam o conceito de que a doença nas mulheres é mais agressiva.

Falando de gênero e Alzheimer, mulheres cuidam de parentes com a doença de Alzheimer 2.5 vezes mais que os homens e em 20% dos casos têm que abandonar o trabalho.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

É bem reconhecido que comportamentos semelhantes aos encontrados no transtorno do espectro autista (TEA) são exclusivos da espécie humana. Um estudo recém-publicado pelo periódico Molecular Biology and Evolution mostra que, comparado a cinco espécies de primatas, o cérebro humano evoluiu rapidamente para uma concentração generosa de neurônios em duas camadas da sustância cinzenta, concentração esta que está associada a uma maior conexão entre as diferentes regiões do cérebro. Ao mesmo tempo, isso foi acompanhado de alterações em genes ligados ao TEA que proporcionou o crescimento do cérebro humano de forma mais lenta, podendo ter levado à complexidade de linguagem e pensamento dos humanos. Os resultados da presente pesquisa sugerem que o que fez o cérebro humano ser o que é também fez com que fôssemos mais neurodiversos. A alta prevalência de TEA entre os humanos pode ser secundária à seleção natural de uma menor expressão de uma série de genes que conferiu maior adaptação de nossos ancestrais e uma abundância de neurônios sensitivos a perturbações externas, como estímulos sonoros.  

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade segue o mesmo raciocínio de uma vantagem evolutiva da espécie. Em 2024, pesquisadores da Universidade da Pensylvania, nos EUA, publicaram um estudo experimental que apoia a visão de que traços de desatenção e impulsividade comuns nos pacientes com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) podem ter sido úteis para a sobrevivência em tempos em que éramos nômades.

Em um jogo online os participantes do estudo tinham que coletar o máximo possível de frutos e quanto mais tempo passavam no mesmo arbusto, menos frutos ficavam disponíveis nesta arvorezinha.  Aqueles que tinham maiores escores de sintomas de TDAH tinham uma tendência em buscar outros arbustos e, apesar de demandar um pouco mais de tempo, tiveram no final pontuações maiores. A pesquisa foi publicada pelo renomado periódico Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences. Metanálise recente com estudos globais aponta que prevalência de TDAH entre crianças situa-se entre 7 e 8% e nos adolescentes entre 5 e 6%. Nos EUA, os números passam de 10% em ambos os casos.  

Como neurologista, convivo diariamente com pessoas que sofrem de condições clínicas que, de tão frequentes na população, me ativam a o pensamento de que se são tão comuns, pode ter existido alguma vantagem no percurso de nossa evolução para chegarmos nos dias de hoje com esses altos índices de prevalência.  Fazem parte da lista do Código Internacional de Doenças – CID e para quem as sofre e procura ajuda médica, claro que é doença, pois está influenciando as atividades do dia a dia.

Enxaqueca é um exemplo clássico. Acomete 8% dos homens e 20% das mulheres. Muita gente! Muitos vão ter suas crises de dor desencadeadas por fatores como jejum prolongado e excesso de sono. Estes têm um alarme no cérebro, enxaqueca, que aponta que não vale a pena repetir essas atitudes, atitudes que não jogavam a favor da sobrevivência em tempos da caverna. Podem ter apresentado mais sucesso em gerar descendentes ao longo de milhares de anos.

Outro exemplo: síncope. Estima-se que uma em cada duas pessoas apresentará pelo menos um episódio de perda de consciência ao longo da vida. Mais uma vez: é muita gente! Um fator que frequentemente desencadeia síncope é a visão de sangue. Um paciente meu já desmaiou no cinema assistindo a um filme do Tarantino! A síncope é vista como uma estratégia arcaica de sobrevivência. A visão do sangue pode ter sido o resultado de um ataque de um animal ou de um membro de uma tribo invasora. Se você está sangrando, é melhor um colapso da pressão arterial para estancar o sangramento. Charles Darwin já apontava um comportamento de defesa entre os animais que era o de “se fazer de morto” quando eram ameaçados por um predador. Isso acontece especialmente se o comportamento clássico de sobrevivência de luta ou fuga não tem a mínima chance de sucesso. Há descrições dessa resposta em diversas formas de vertebrados que incluem os peixes, aves e mamíferos.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp  e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Um método de ressonância magnética funcional tem nos mostrado que, durante uma conversa, duas pessoas podem ter mais prazer quando as opiniões são divergentes, quando não há sincronização da atividade cerebral entre os dois cérebros, pois estão em um modo de exploração curiosa. Poderiam ter a atitude de convencer o outros de que sua forma de pensar é a certa ou buscar apenas discutir aquilo que certamente haveria consenso entre as partes. Entretanto, a exploração das opiniões diferentes pode gerar mais prazer e ser mais produtiva.     

Nesse modo de exploração os cérebros não estão tão sincronizados como na situação de concordância sobre o tema em discussão. Indivíduos que são politicamente de direita têm os cérebros mais sincronizados com outros de direita quando assistem vídeos com conteúdo político. O mesmo acontece com os cérebros dos esquerdistas, mas não ocorre entre pessoas com pessoas de inclinações políticas opostas. Pessoas conhecidas já iniciam uma discussão com uma boa sincronização enquanto estranhos vão crescendo essa sincronia no curso da conversa. Mas uma dessincronização começa a acontecer à medida que a conversa abrange mais tópicos e as diferenças de opinião afloram. Isso está associado a uma maior satisfação na conversa. Esse modelo que garante a opinião pessoal sem deixar de captar a opinião diferente, o modo de exploração como nos referimos anteriormente, é visto pela literatura como o modo de discussão francês: delicado, elegante, brilhante, harmonioso, uma arte. (Au contraire! Figuring out the french. Asselin G, Martron R. Intercultural Press, 2001)    

A revista Scientific American Mind and Brain trouxe na sua última edição um apanhado dos achados dessa área do conhecimento abrindo os horizontes para a promoção de oportunidades para mitigar o fenômeno da polarização que existe nos EUA, mas também aqui. O aperfeiçoamento da interação entre duas pessoas, a princípio, não mudará o mundo. Entretanto as instituições, a mídia, as indústrias, os governos são feitos de pessoas e a comunicação eficiente entre as partes pode fazer muita diferença. Não precisa nem apelar para a busca de boa energia apontada recentemente pelo presidente Trump no seu encontro de poucos segundos com Lula. Basta garantir a escuta, manter a originalidade e espírito analítico ao invés de ficar evitando as controvérsias ou ficar forçando a barra com o seu modo de ver as coisas. 

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Na última semana Donald Trump fez uma declaração de que as mulheres grávidas deveriam aguentar o máximo possível antes de lançar mão do uso do Tylenol, pois a medicação pode fazer com que os bebês desenvolvam transtorno do espectro autista (TEA). Vale lembrar que o paracetamol, o Tylenol, é considerado a medicação antipirética e analgésica mais segura para as grávidas. Pode isso, Arnaldo?

Febre não controlada e infeções na gravidez têm sólida associação com TEA, então você já imaginou o tamanho da irresponsabilidade e do desserviço que este moço está fazendo. Mas de que cartola ele tirou esse coelho?  

É consenso que o TEA é uma condição do neurodesenvolvimento complexa e multifatorial e tem associação como uma constelação de fatores genéticos e ambientais. A maioria dos casos de TEA pode ser ligada a causas genéticas e os fatores ambientais podem determinar como os genes vão se expressar. O fator ambiental mais fortemente estabelecido é a idade dos pais à época da concepção, maior idade maior risco. Esse fator ambiental é na verdade genético também, já que à medida que envelhecemos acumulamos mais mutações genéticas que serão transmitidas aos filhos.   

Outros fatores ambientais descritos são parto prematuro ou por cesariana, diabetes gestacional, exposição na gravidez à poluição atmosférica e a algumas drogas antiepiléticas. Entretanto, não há evidências inequívocas de uma relação causa e efeito. E é esse o problema dos estudos frágeis que mostraram uma associação do uso de Tylenol na gravidez e risco de TEA nos filhos. O estudo mais robusto até o momento foi publicado pelo JAMA em 2024 e não confirma esta associação Tylenol- TEA. Esse é um estudo sueco que envolveu 2.5 milhões de pessoas. A interpretação da tênue associação Tylenol- TEA demonstrada pelos estudos anteriores é a de que o aumento marginal do risco de TEA foi causado pelo processo infeccioso e não pelo uso da medicação. Nenhum desses estudos foi capaz de separar o efeito de infecções pré-natais do uso do Tylenol.    

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Já temos um bom corpo de evidências mostrando que a segunda-feira está associada a maiores níveis de ansiedade e até de suicídio do que outros dias da semana. Há também um aumento de 20% de morte súbita por doença cardiovascular, e isso tanto em homens como em mulheres. Chandola, professor de sociologia médica da Universidade de Hong Kong trouxe resultados do seu grupo de pesquisa sobre o tema na última edição da revista Scientific American, Mind & Brain.

Chama bastante atenção os achados de que as pessoas que se sentem mais ansiosas às segundas-feiras apresentam aumento em 23% dos níveis de ativação do sistema de estresse por meses. Não gera uma resposta hormonal, aumento de cortisol, só de curto prazo, mas uma resposta duradoura. E níveis crônicos de aumento de cortisol estão associados a ansiedade, depressão, doença cardiovascular, diabetes, obesidade e imunodeficiência. Aqueles que tinham ansiedade em outros dias da semana não tinham essa elevação prolongada do hormônio.

Para grande surpresa, esse efeito persiste após as pessoas se aposentarem. Longe do trabalho que supostamente é considerado o gatilho para esse maior contingente de estresse associado às segundas-feiras. É como se fosse introjetado na mente e no corpo um mal estar das segundas-feiras, um alarme que foi automatizado, mesmo que você nem trabalhe mais.

Além de ter que encarar a rotina da semana após o descanso do fim de semana, por que a segunda-feira tem todo esse poder? Uma das explicações é de que na segunda confrontamos mais com as incertezas do mundo real, que comprovadamente levam ao estresse e à ansiedade. Muitos se queixam que domingo à noite é o pior momento da semana e por isso, criar uma atividade divertida nesse momento da semana pode ser uma dica preciosa para que a transição para a semana que entra seja mais suave.

* Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Pesquisa aponta que a crise da meia-idade, considerada uma entidade da psicologia humana de alcance universal, agora não existe mais. Desde 2008, tínhamos evidências que na juventude e na velhice apresentávamos os maiores índices de satisfação com a vida e felicidade passando pela meia-idade com índices menores. O que essa nova pesquisa nos traz é que esse declínio na meia-idade foi substituído por uma redução da satisfação ainda na juventude com incrementos progressivos ao longo da vida.

A análise foi feita inicialmente nos Estados Unidos e Reino Unido e depois estendida a outros 42 países envolvendo o período entre 1993 a 2025. Mais de doze milhões de pessoas participaram do estudo com seus perfis de saúde mental.

São várias as possíveis razões para uma maior concentração de insatisfação com a vida na juventude. Entre elas os autores elencam a redução do mercado de trabalho para jovens, desafios para a saúde mental com a pandemia de COVID-19, menor disponibilidade de serviços de saúde mental, e aumento do uso das mídias sociais.

O estudo foi publicado na última semana pela revista PLOS Mental Health.

* Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Nos últimos meses ouvi alguns relatos de pessoas que procuraram o ChatGPT como se fosse um psicoterapeuta. A maioria revelou uma experiência positiva o que não é surpreendente. Advoga-se que esses chatbots generalistas, como o ChatGPT, são codificados para que o usuário fique na plataforma o maior tempo possível. E por ser este o modelo de negócio, a plataforma pode ter o viés de validar e reforçar as ações do usuário. Ela não julga e não coloca o dedo na ferida.

Na última edição da revista Scientific American, Vaile Wright, psicólogo e   diretor da divisão de Inovação em Saúde da Associação Americana de Psicologia alerta para os riscos envolvidos no uso desses chatbots para psicoterapia, mas também para a necessidade de comprovação de eficácia.

Primeiro ele pontua que essas plataformas não têm nenhuma obrigação legal de proteger os dados. Psicólogos têm que seguir a diretrizes éticas do seu conselho de classe e isso inclui o sigilo.  Imagine você tratar do assunto de sua dependência a drogas com o ChatGPT e essas informações vazarem e caírem nas mãos do seu chefe.

Quanto à questão de eficácia, é citado o Therabot, um software de inteligência artificial desenvolvido especificamente para apoio psicológico pela Universidade de Dartmouth, nos EUA. Foram publicados este ano, no prestigiado New England Journal of Medicine, os resultados de uma intervenção por 8 semanas com o Therabot. Os achados pioneiros foram considerados comparáveis aos resultados da psicoterapia cognitivo comportamental. Pacientes com transtorno depressivo melhoraram em 51% dos seus sintomas, aqueles com transtorno de ansiedade generalizada tiveram melhora de 31% e os com transtorno alimentar apresentaram 19% na redução de preocupação de imagem corporal e peso. Além disso, eles reportaram uma ótima aliança terapêutica com o Therabot, demonstrado pela confiança e colaboração com o software.

O Therabot começou a ser desenvolvido em 2019 com consultoria contínua de psicólogos e psiquiatras e os autores do estudo defendem a ideia que ele veio para somar e não para substituir a terapia convencional. Deixam claro que chatbots com a função de psicoterapia ainda estão numa fase muito crítica em que é preciso demonstração mais robusta de seus riscos e eficácia clínica. Porém, os resultados do Therabot abrem os horizontes para apoio psíquico para tantas pessoas que jamais conseguiriam ter acesso a um psicoterapeuta e para aqueles que precisam de um apoio imediato. Nos EUA, calcula-se que para cada psicoterapeuta existem 1600 pessoas com os diagnósticos de ansiedade e depressão.

Em todos esses casos que vi nos últimos meses fazendo “psicoterapia” com o ChatGPT, todos acessavam uma única vez com esse propósito e já abandonavam. E todos tinham todas as condições logísticas para estar com um psicoterapeuta. Pode ser a efervescência da curiosidade pela novidade. Se o Therabot que foi desenvolvido junto a profissionais da saúde mental ainda precisa passar por validação, imagine o ChatGBT. O Therabot até acende um botão na tela para acesso a versões americanas do SAMU ou CVV (Centro de Valorização da Vida) no caso de conteúdos de alto risco, como ideação suicida.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

O abuso verbal pode ser menos óbvio que o físico, mas seus efeitos deletérios não são menores. Esta é conclusão de um grande estudo intergeracional publicado este mês pelo prestigiado periódico British Medical Journal Open. Aqui podemos refletir se é certo mesmo o provérbio “pé de galinha não machuca pinto”.

A prevalência de abuso físico na infância tem diminuído globalmente ao mesmo tempo que o abuso verbal tem aumentado. Uma em cada seis crianças sofre de abuso físico por familiares/cuidadores enquanto uma em cada três sofre de abuso verbal. As iniciativas para prevenção de violência contra crianças têm o foco na violência física que gera maiores índices de ansiedade e depressão na vida adulta, assim como mais comportamentos de risco, violência e até aumento de doenças cardiovasculares. O presente estudo nos mostra que a violência verbal traz repercussões mentais negativas na idade adulta da mesma magnitude que a violência física.

É bem demonstrado que os maus tratos na infância podem culminar também em alterações estruturais no cérebro adulto. Aqui quando falamos em maus tratos devemos incluir abuso físico, violência verbal, abuso sexual, negligência física, negligência emocional e presenciar atos de violência contra irmãos.  Adultos ou adolescentes que apontam um maior índice de maus tratos na infância têm a redução do volume da sustância cinzenta e da integridade da substância branca em diferentes áreas do cérebro, áreas responsáveis pelas emoções e cognição.

* Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Pelas regras do Detran, é preciso estar pelo menos um ano sem qualquer tipo de crise epiléptica para o paciente ter o direito a tirar ou renovar a carteira de habilitação. Novos estudos apontam que três meses é um prazo seguro.

Por Ricardo Afonso Teixeira*

No Brasil, uma pessoa portadora de epilepsia precisa estar pelo menos um ano sem qualquer tipo de crise epiléptica para ter direito a tirar ou renovar a carteira nacional de habilitação. Precisa também de um formulário preenchido pelo médico assistente aprovando ou não a liberação. Essa é a norma determinada pelo Detran no ano de 2012.

Em março deste ano, a Academia Americana de Neurologia, a Sociedade Americana de Epilepsia e a Fundação Americana de Epilepsia publicaram em conjunto, na revista Neurology, um novo consenso sobre epilepsia e licença para dirigir. O documento pede um período de pelos três meses sem crises epilépticas para que a pessoa esteja habilitada a dirigir. As evidências demonstram que prazos maiores não reduzem o risco de acidentes fatais. Nos EUA, esse prazo varia entre três e 18 meses, dependendo do estado. Muitos pacientes não seguem as recomendações e acredita-se que a redução do período para três meses pode aumentar o número de indivíduos em conformidade com a lei.

A atual recomendação de três meses sem crises é independente de ser uma crise única e de haver um fator provocador bem reconhecido, como a abstinência alcoólica. Pode continuar a dirigir aqueles que tiveram uma crise por falha isolada na tomada da medicação, o que pode acontecer numa internação hospitalar, por exemplo.

A epilepsia é uma condição neurológica em que 70% dos portadores têm as crises controladas com as medicações. O direito a dirigir garante a independência de muitos desses que são controlados. Vale lembrar que o risco de acidentes fatais entre portadores de epilepsia é semelhante ao da população geral e significativamente menor comparado ao que acontece com motoristas jovens ou sob efeito do álcool. Essa nova diretriz deve influenciar as regras do Detran no Brasil, mas, por ora, a norma de 2012 é a que vale por aqui.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Um estudo do MIT divulgado recentemente, ainda sem avaliação dos pares, mas com grande repercussão na mídia, analisou o desempenho de estudantes e seus sinais eletrencefalográficos enquanto faziam uma redação com ou sem o ChatGBT. A inteligência artificial (IA) reduziu o engajamento dos estudantes fazendo com que eles tivessem menor capacidade de falar sobre o que escreveram. Linguistas que avaliaram as redações em que o ChatGBT foi usado classificaram os textos como privados de alma. Além disso, os sinais eletrencefalográficos dos que usaram a ferramenta eram menos robustos, refletindo uma menor conexão entre as diferentes regiões do cérebro.

O estudo está longe de ser definitivo, com número limitado de participantes e com resultados que permitem diferentes interpretações. Sem alarde até que tenhamos dados de repercussões do uso da inteligência artificial no médio e longo prazo. Acredito que muito provavelmente teremos demonstrações de discretos prejuízos no desempenho cognitivo dos seus usuários, mas a tese de que os benefícios serão maiores me parece bem plausível.

Sócrates alertou de que a escrita comprometeria a memória, no século passado houve grande preocupação de que calculadora viria a atrapalhar nossas habilidades matemáticas simples, mais recentemente o google foi colocado sob suspeita de provocar restrição da nossa memória e agora temos a insegurança de como o cérebro será influenciado pela IA. Sigo acompanhando com o norte do psicólogo educacional dinamarquês Guido Makransky que defende que a IA será ótima para guiar os estudantes a ampliar suas perguntas reflexivas e não para dar-lhes as respostas.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

“Deve existir algo para estimular sua imaginação, sua determinação e convicção. Sua realidade é muito limitada. Prefiro viver em um estado de sonho acordado. Um sonho acordado perpétuo” – Carlos Santana no documentário Carlos, 2023.

Você está lavando a louça, no piloto automático, e a mente começa a vaguear, o pensamento foi para sua próxima viagem de férias. Para tarefas pouco complexas, manter o pensamento em outro lugar pode fazer o trabalho ficar mais ágil porque nesse estado o cérebro consegue processar detalhes que ficam escondidos nas entrelinhas. É um estado semiacordado com aumento do contingente de ondas lentas características do sono profundo e que são crucias para a consolidação da memória.

Isso tudo nos faz pensar que um cérebro com boa atenção e processamento rápido é importante, mas as fugidinhas do pensamento podem também ser muito interessantes, especialmente para a criação e consolidação da memória. E o que seria do nosso equilíbrio mental sem boas doses de fantasia? Isso me fez lembrar de outro documentário, este de Kleber Mendonça, Retratos Fantasmas. Após mostrar a substituição dos cinemas de rua do Recife por farmácias e igrejas, o motorista de aplicativo nas cenas finais fala a Kleber, seu passageiro, que ele tem um superpoder de se tornar invisível e o documentário termina com o carro andando sem ninguém ao volante. Tiraram do cidadão o convívio diário com os cartazes dos filmes fantásticos no centro da cidade e seu aparelho psíquico logo se incumbiu de repor a dose de fantasia. Não tem mais King Kong, Tubarão, mas tem homem invisível.

* Extraído da coluna semanal Neurônios em Dia, parceria entre o Instituto do Cérebro de Brasília e o Correio Braziliense. Confira mais sobre esse assunto e outros conteúdos acessando nosso site (link na bio): http://www.icbneuro.com.br

Ricardo Afonso Teixeira*

Algumas pessoas relatam visões coloridas, em padrões ou com apresentação caótica, por vezes até cenas, na proximidade do orgasmo, durante o clímax e até no período imediato de recuperação após o orgasmo. A isso se dá o nome de sinestesia sexual, um tipo aparentemente incomum de sinestesia que tem chamado a atenção dos cientistas nos últimos anos, apesar de ter sido descrito ainda na década de 1970.

Sinestesia é uma condição que afeta cerca 4% da população e é reconhecida como um fenômeno de circuitos sensoriais cruzados. A leitura de uma determinada letra ou número, por exemplo, pode ativar a percepção de uma cor. Outra forma que não é rara são determinados sons que evocam experiências de cores.    

Ainda temos poucos estudos explorando a sinestesia sexual, mas os relatos já nos mostram que ela é mais comum com parceiros habituais em que existe uma relação de confiança e raramente ocorre no sexo casual ou na masturbação. Quase todos têm uma relação positiva com o fenômeno e dizem que a experiência sexual fica mais rica. Alguns têm a percepção visual associada a sons e relatam receio de ser uma manifestação de um quadro psiquiátrico como a esquizofrenia. É muito frequente também a percepção distorcida de um estímulo sensorial fora da atividade sexual. Um exemplo é a síndrome de Alice no País das Maravilhas em que a pessoa percebe as coisas maiores ou menores do que realmente são. Esses pontos foram extraídos da tese de doutorado de Cathy Lebeau da Universidade de Quebec, no Canadá, em que entrevistou 16 pessoas com sinestesia sexual e que foi descrita na última semana por Kate Evans na revista Scientific American.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira

No ano de 2012, um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia sugeriu que a cólica dos lactentes pode na verdade ser uma precursora da enxaqueca ao mostrar que o risco é mais de duas vezes maior nos bebês que têm mães que sofrem de enxaqueca. Enquanto 29% dos bebês de mães com enxaqueca apresentavam cólica, apenas 11% daqueles de mães sem enxaqueca tinham o problema.

No ano seguinte, outro estudo de muito impacto encorpou a ideia dessa associação ao mostrar que crianças e adolescentes com enxaqueca tinham muito mais chances de ter apresentado cólica quando bebês quando comparadas a controles sem enxaqueca (72.6% X 26.5%). Desde então uma série de estudos, incluindo uma metanálise, vêm confirmando esses resultados.

Existem algumas condições clínicas que acontecem de forma recorrente na infância e que são entendidas como expressões precoces de genes que mais tarde serão expressos como enxaqueca. Entre essas condições podemos citar crises de torcicolo, vertigem, vômitos cíclicos, além das misteriosas cólicas dos bebês.

O choro normal da criança começa a se intensificar nas primeiras semanas de vida, alcança o seu topo entre a sexta e oitava semana, e aos três meses já começa a dar uma trégua. A cólica dos bebês é uma forma intensificada desse choro e é definida como crises de choro por pelo menos três horas e pelo menos três vezes por semana.  Também é chamada de choro inconsolável e está associada a uma maior incidência de casos da síndrome do bebê chacoalhado, condição em que um adulto sacode a criança para discipliná-la tentando interromper o choro. Isso pode levar a lesões traumáticas de diferentes gravidades.

O termo cólica traz uma conotação de que o desconforto tem origem no aparelho digestivo e são vários os estudos que tentam ligar a cólica com gases intestinais, microbiota, alergia à proteína do leite, intolerância à lactose. Alguns apresentam resultados positivos e outros negativos. 

Por que seria um bebê com bagagem genética de um “cérebro de enxaqueca” mais propenso a ter crise de choro? Uma das maiores características de um cérebro enxaquecoso é a hiperexcitabilidade, uma maior sensibilidade a estímulos sensoriais como ruídos e luz. A transição do útero para o mundo cheio de estímulos pode fazer mesmo diferença a partir de algumas semanas, a partir de um nível de desenvolvimento da acuidade visual e auditiva. Isso pode explicar o porquê da cólica ser mais frequente entre a sexta e oitava semana de vida, e não no período neonatal. Uma pesquisa chegou a demonstrar que a restrição de estímulos sensoriais foi capaz de reduzir o problema.

Com esse corpo de conhecimento, já se discute a modificação do termo cólica por algo como “Agitação Paroxística do Lactente” já que a raiz do problema pode ter mais a ver com o cérebro do que com a barriga.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Por Ricardo Afonso Teixeira*

“Deve existir algo para estimular sua imaginação, sua determinação e convicção. Sua realidade é muito limitada. Prefiro viver em um estado de sonho acordado. Um sonho acordado perpétuo” – Carlos Santana no documentário Carlos, 2023.

Você está lavando a louça, no piloto automático, e a mente começa a vaguear, o pensamento foi para sua próxima viagem de férias. Para tarefas pouco complexas, manter o pensamento em outro lugar pode fazer o trabalho ficar mais ágil porque nesse estado o cérebro consegue processar detalhes que ficam escondidos nas entrelinhas. É um estado semiacordado com aumento do contingente de ondas lentas características do sono profundo e que são crucias para a consolidação da memória.

Alguns estudos já mostraram que em tarefas simples esse estado de sonhar acordado pode muitas vezes ser um aliado do nosso desempenho cognitivo, incrementando, por exemplo, nossa criatividade. Um fator que já foi demonstrado estar associado à tendência de vaguear é a capacidade de estar aberto a novas experiências e a conteúdos fantásticos. E isso pode ser um grande parceiro da criatividade.

Isso tudo nos faz pensar que um cérebro com boa atenção e processamento rápido é importante, mas as fugidinhas do pensamento podem também ser muito interessantes, especialmente para a criação e consolidação da memória. E o que seria do nosso equilíbrio mental sem boas doses de fantasia? Isso me fez lembrar de outro documentário, este de Kleber Mendonça, Retratos Fantasmas. Após mostrar a substituição dos cinemas de rua do Recife por farmácias e igrejas, o motorista de aplicativo nas cenas finais fala a Kleber, seu passageiro, que ele tem um um superpoder de se tornar invisível e o documentário termina com o carro andando sem ninguém ao volante. Isso me fez sentir que tiraram do motorista o convívio diário com os cartazes dos filmes fantásticos no centro da cidade e seu aparelho psíquico logo se incumbiu de repor a dose de fantasia. Não tem mais King Kong, Tubarão, mas tem homem invisível.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

A literatura médica descreve efeitos benéficos do consumo moderado de café em diferentes sistemas do nosso corpo. Reduz o risco de diabetes, doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer e doenças neuropsiquiátricas como depressão, Alzheimer e Parkinson. As restrições ao seu consumo são poucas e podemos falar das pessoas que têm intolerância gástrica ao café, gestantes que devem evitá-lo e indivíduos com osteoporose que podem ser prejudicados com seu consumo em excesso. Além disso, o café deve ser evitado após certa hora do período vespertino para não provocar insônia. Mas como o café exerce esse seu poder estimulante? A cafeína é a grande responsável por esse efeito ao se ligar a receptores de adenosina do cérebro que promovem uma inibição da atividade cerebral – adenosina é um neurotransmissor inibitório. A cafeína tem uma ação inibitória nesses receptores fazendo uma inibição de um sistema que é inibitório. Por isso o efeito final é estimulante. Quando reduzimos o efeito do freio de mão, o carro anda mais. Assim age a cafeína. Quando acordados ficamos mais despertos, mas como fica o sono sob a influência da cafeína?

O entendimento da cafeína sobre o sono teve um grande salto há cerca de um mês após uma análise dos ritmos cerebrais no eletroencefalograma com a assistência de inteligência artificial e conduzida por pesquisadores da Universidade Montreal no Canadá. A cafeína torna os sinais cerebrais otimizados para o processamento de informações e tomada de decisões mesmo durante o sono. É um estado ótimo durante o dia, mas esse padrão semiacordado e reativo pode interferir com o poder reparador do sono. A cafeína inibiu o contingente de ondas lentas do sono, ondas que estão associadas ao sono profundo e restaurador. Aumentou, por outro lado, o contingente de atividade beta no sono, atividade que é caraterística do estado de vigília. Esses efeitos são mais intensos entre indivíduos mais jovens, explicado por uma maior concentração de receptores de adenosina na juventude. O estudo foi publicado pela Nature Communications Biology.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília


Ricardo Afonso Teixeira*

A maioria das mulheres melhoram muito das crises de enxaqueca no período da gravidez, mas cerca de 8% pioram nessa fase e isso aumenta o risco de desfechos clínicos ruins, tanto da mãe quanto do bebê. É muito comum na prática clínica de um neurologista o atendimento de gestantes sofrendo de crises debilitantes de enxaqueca e na maioria das vezes por subtratamento. É frequente a gestante receber a orientação de que o paracetamol é a medicação mais indicada nesses casos. Entretanto, as crises nem sempre são responsivas a essa medicação.

Os triptanos são uma família de medicações com eficácia superior aos analgésicos comuns, como o paracetamol, e há vários anos já são considerados seguros no tratamento da enxaqueca na gestação. Entretanto, estima-se que três em cada quatro mulheres interrompem o uso dessas medicações ao descobrirem que estão grávidas.

O sumatriptano é o mais estudado deles e esta semana tivemos mais uma evidência robusta que seu uso antes e durante a gravidez não interferiu no neurodesenvolvimento de crianças acompanhadas por oito anos em média, alguns até os 14 anos de idade. De todas as gestações na Noruega, os filhos das mulheres que usaram sumatriptano no último ano antes da gravidez e durante a gravidez não apresentaram maiores índices de retardo mental, transtornos de comportamento ou linguagem, transtorno do espectro autista ou transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Ótimas notícias para as gestantes e mais uma evidência para encorajar os médicos a perderem o receio de prescrever triptanos durante a gestação. O estudo foi publicado nesta quarta-feira (21 maio) na Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília


Ricardo Afonso Teixeira*

Adolescentes com depressão e ansiedade têm a tendência em usar as redes sociais por 50 minutos a mais que outros da mesma idade sem qualquer condição psiquiátrica. Além disso, sofrem mais com comentários que recebem e ao comparar o número de amigos/seguidores ou likes das suas publicações com os dos outros. Esses são resultados de um estudo com mais de três mil adolescentes publicado este mês pelo prestigiado periódico Nature Human Behaviour. É um dos primeiros estudos e o mais robusto até o momento que analisa os impactos das redes sociais em adolescentes que sofrem de transtornos psiquiátricos. Não há como descartar a possível influência do exagero das redes sociais na deflagração ou perpetuação dos quadros clínicos. Entretanto, esse potencial de deflagração parece não ser grande.

Outra pesquisa publicada pelo mesmo periódico em 2019 usou um método de análise estatística rigoroso de três estudos de larga escala voltados à saúde mental dos adolescentes e mostraram que o impacto das mídias digitais existe, mas é pequeno. Chega a ser responsável por no máximo 0.4% da variação do bem-estar psíquico de um adolescente.

Os pesquisadores compararam os efeitos do mundo digital com outros fatores que os adolescentes são confrontados, como exposição ao álcool, tabagismo, bullying, privação de sono, dieta saudável e hábito de tomar café da manhã, uso de óculos ou hábito de ir ao cinema, etc. Quase todos esses fatores tiveram efeitos mais significativos no bem-estar dos adolescentes que o tempo que passavam na frente dos dispositivos digitais. Em comparação aos 0.4% de impacto descrito acima, bullying tinha um impacto de 2.7% e uso da maconha era de 4.3%. O tamanho do efeito negativo das mídias digitais foi comparável ao hábito de comer batatas regularmente e menor do que o de usar óculos.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

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